quinta-feira, 25 de agosto de 2011
sexta-feira, 3 de julho de 2009
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Entrevista no Jô
Rio, A Cidade - MultiRio/Band
Resenha da A Confraria da Esquina
A confraria da esquina. O que os homens de verdade falam em torno de uma carne queimando: etnografia de um churrasco de esquina no subúrbio carioca – RJ. Rolf Ribeiro de Souza. Bruxedo, Rio de Janeiro, 2003, 128p.
O título muito instigante – A confraria da esquina. O que os homens de verdade falam em torno de uma carne queimando: etnografia de um churrasco de esquina no subúrbio carioca – tem seus simbolismos desvelados ao longo do livro, que podem ser degustados pelo leitor interessado no universo da masculinidade e seus reflexos sociais.
Trata-se de uma dissertação, defendida no mestrado em Ciências Sociais da Uerj que aborda um tema pouco explorado: as pesquisas etnográficas sobre o masculino. O ativista negro e jovem antropólogo Rolf Ribeiro de Souza nos apresenta um quadro, simultaneamente, bem embasado e bem-humorado.
A obra se compõe de quatro capítulos, que iniciam com uma leitura espacial: "A esquina: seu território e seus limites", que apresenta cada membro da confraria e como se organizam na ocupação do locus; delimitando fronteiras, respeitadas pelos transeuntes e grupo; prossegue com a percepção da "Construção social do gênero do espaço", descrevendo a transmutação de espaço público em espaço masculino "privado", e identificando "A sociabilidade masculina na esquina", compreendendo como o ethos do grupo é constituído. Conclui com "o que um churrasco num subúrbio carioca poderia nos dizer sobre masculinidade?", que avalia a contribuição e relevância de sua pesquisa para as Ciências Sociais.
Ao desvelar o cotidiano de um grupo de quinze homens, moradores do bairro do Irajá no Rio de Janeiro ("subúrbio" carioca), compromissados religiosamente com um churrasco de rua aos sábados, o autor nos presenteia com reflexões sobre a construção da identidade e do gênero masculino.
Os múltiplos aspectos, relacionados a esta construção, se metaforizam na ocupação dos espaços e nos rituais que se instituem nas interações do grupo entre si e com o entorno. Souza desconstrói diversos desses comportamentos, levantando algumas hipóteses e dialogando-as com teóricos relevantes, como Elias, Geertz, Mauss, Mirandé, entre outros.
O autor evoca alguns pontos nevrálgicos da identidade masculina, reforçando que ela só pode se dar no social, no coletivo sendo de extrema fragilidade e necessitando ser reforçada a todo o momento. A gestualidade, o vocabulário, os testes lúdicos, como já ressaltado por DaMatta, estão a serviço da tarefa do mito de Sísifo: erguer a enorme pedra morro acima e, apesar de ter de recomeçar eternamente, comprovar ser digno da tarefa.
Souza nos recorda que: A masculinidade é uma experiência coletiva desenvolvida por intermédio de ritos, testes e provas concebidas para o sujeito responder publicamente se é ou não é um homem. Esta lógica faz com que os homens busquem sistematicamente inserção em práticas coletivas, através das quais, irão pelo desempenho garantir para si visibilidade e status social (p. 90).
E ilustra esta afirmação com a partida de futebol que antecede ao churrasco de esquina, nos afirmando que ela é uma ritualização da violência, em que um verdadeiro duelo é travado para a defesa e delimitação de territórios. É a honra do grupo que está em jogo.
O estudo de Souza também discute a divisão entre Zona Sul e Zona Norte do Rio de Janeiro, quanto às representações das funções e o habitus masculino, e também acaba por apontar semelhanças fundamentais, como a relação entre álcool e masculinidade. Afirma que o tema central das conversas masculinas trata de suas próprias façanhas, especialmente sexuais (fantasiosas ou reais), que reafirmam sua estabilidade no reconhecimento dos pares, e que o afeto é possível (até físico) entre os "parceiros de frente" que sejam "homens de verdade" e vençam os embates que lhes garantam este título.
No momento em que as reflexões sobre a chamada "crise do masculino" e a denúncia da "dominação masculina", como opressão para mulheres e homens, ganham, pouco a pouco, mais atenção dos estudos e se descolam do eco da revolução feminista, esta etnografia é bastante bem-vinda, ensinando-nos algo mais sobre nós mesmos.
Refletir sobre a construção do masculino é possibilitar uma revisão de valores que afetam a todos, e determinam destinos coletivos.
Como nos alerta Bourdieu: Só uma ação política que leve realmente em conta todos os efeitos de dominação que se exercem através da cumplicidade objetiva entre as estruturas incorporadas (tanto entre as mulheres quanto entre os homens) e as estruturas de grandes instituições em que se realizam e se produzem não só a ordem masculina, mas também toda a ordem social (a começar pelo Estado, estruturado em torno da oposição entre "mão direita", masculina; e sua "mão esquerda", feminina, e a Escola, responsável pela reprodução efetiva de todos os princípios de visão e de divisão fundamentais, e organizada também em torno de oposições homólogas) poderá, a longo prazo, sem dúvida, e trabalhando com as contradições inerentes aos diversos mecanismos ou instituições referidas, contribuir para o desaparecimento progressivo da dominação masculina (Bourdieu, 1999).
Acreditamos também, que este livro nos aproxime um pouco mais, em conjunto com outras obras relevantes, de uma perspectiva abrangente da identidade e gênero masculino, em prol de compreender as estratégias e meios de acesso a este homem, no sentido da promoção de ações em saúde masculina, recorte tão pontualmente desenvolvido.
Referências bibliográficas
Bourdieu P 1999. A dominação masculina. Bertrand Brasil, Rio de Janeiro.
DaMatta R 1997. Tem pente aí? – reflexões sobre a identidade masculina. In D Caldas (Org.) Homens. Editora Senac, São Paulo.